Caio Menezes
No ano da selfie, 96% dos jovens acessaram a internet no Brasil. O iPhone foi o objeto de desejo, enquanto milhões foram às ruas para protestar contra o aumento do ônibus
Todo mundo sabe que jovem passa muito tempo conectado, e em 2013 há dados concretos para provar que isso mais do que nunca é verdade. Neste ano, interações aconteceram cada vez mais no mundo virtual, com 96% dos brasileiros de 12 a 17 anos conversando virtualmente, segundo dados da pesquisa “Este Jovem Brasileiro”, da fabricante de computadores Positivo Informática. Um dos resultados disso o Brasil acompanhou em julho, quando o “gigante acordou” e milhões saíram das redes sociais, onde o movimento Passe Livre se articulou, e foram às ruas para entrar na história.
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Ao mesmo tempo em que se uniu por uma causa comum, o jovem ficou cada vez mais individualista e egocêntrico. Nunca se falou tanto em ostentação, seja no funk ou nas “selfies”, escolhida pelo dicionário Oxford a palavra de 2013 - e que significa o autorretrato tirado exclusivamente para ser compartilhado -, e em superexposição. Uma coisa é fato: a internet marcou a vida do jovem neste ano.
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Exatamente porque está mais e mais conectado, foi pelas redes sociais que o jovem conheceu amigos, começou e terminou namoros. Segundo pesquisa do IBOPE em parceria com o grupo CONECTA e o youPIX, o jovem tem, em média, 352 amigos ou conexões nas redes sociais. Entre os usuários, 45% preferem conversar pela web a conversar pessoalmente.
Ter um amigo virtual, no entanto, não significa necessariamente ter um amigo na vida real. “Hoje, uma amizade que começa no Facebook pode ir para o mundo real, como também pode ficar só no virtual”, conta Aurélio Fabrício Torres de Melo, professor de psicologia do Mackenzie.
“Está havendo um distanciamento entre os dois mundos, o mundo virtual está ganhando cada vez mais autonomia”, diz o acadêmico, que acredita que as relações pelas redes sociais são mais intensas e menos duradouras.
Para facilitar ainda mais as interações virtuais, 2013 marcou o boom dos aplicativos. Ferramentas como Tinder e Lulu, que ajudam na hora de conhecer alguém, foram pauta entre os jovens. “A gente adora uma avaliação, um ranking, uma pegação. O Tinder e o Lulu foram perfeitos para isso, a vida do jovem tá pautada nisso”, diz Bia Granja, curadora e editora do youPIX. Para ela, os jovens estão cada vez mais sob controle dos apps. “Tem app para tudo, app para conhecer gente, para começar namoro, para terminar namoro. Tem um app para cada ponto da vida”, conta.
Não foi só pelos 20 centavos
Passando tanto tempo na internet e nas redes sociais, parece que foi apenas neste ano que termina que o jovem realmente compreendeu o funcionamento desse universo. “O ano de 2012 foi o do deslumbramento pelas redes sociais, já 2013 foi o ano em que entendemos que qualquer coisa que a gente posta tem consequências”, acredita Granja. Uma das consequências da ação dos jovens nas redes sociais pôde ser vista em julho, quando dezenas de milhares de pessoas tomaram as ruas das grandes cidades brasileiras para lutar por reivindicações que já eram pauta no Facebook.
O que parecia ser mais uma causa do “ativismo de internet” acabou virando algo histórico quando protestos eclodiram por todo o país, partindo de eventos marcados pelo Facebook. “A gente achou que as pessoas iriam ficar indignadas no Facebook, nunca achamos que elas tomariam as ruas”, conta o professor Torres de Melo. Para ele, é difícil achar um estopim para tudo que aconteceu. “A impressão é de que as redes sociais não suportaram a insatisfação. A internet não foi capaz de dar conta do descontentamento geral”, explica.
Mais importante do que as conquistas trazidas pelas manifestações foi a tomada de consciência do jovem. “Este ano foi de protagonismo do jovem. Ele descobriu que tem uma voz, que pode ser ouvido e pode se mobilizar para mudar as coisas, ele usou seu poder de expressão”, acredita Bia Granja. Para o psicólogo, o movimento foi semelhante ao dos Caras Pintadas em 1994, que pedia a instauração de eleições diretas no Brasil. “Uma diferença é que as ‘Diretas Já!’ tinham apoio político, já o movimento de julho foi apartidário, puramente popular”, pondera.
Ostentação fora do normal
Depois de toda a agitação das manifestações, uma nova onda invadiu as redes sociais: a ostentação. No funk, a palavra foi ouvida à exaustão nos versos do MC Guimê, mas o conceito também chegou ao Facebook. “Depois das manifestações, as pessoas queriam ostentar opinião, queriam ter o status curtido e compartilhado”, conta a editora do youPIX, que usou a palavra para definir 2013.
Até as selfies entram na onda. “A própria selfie é uma ostentação de imagem”, diz Bia. O termo foi eleito pelo dicionário Oxford a palavra do ano e inspirou diversas discussões, memes e brincadeiras neste ano -- até Barack Obama aderiu à onda, para infelicidade dele em um momento não muito oportuno. O presidente americano teria irritado sua mulher, e surpreendido o resto do mundo, ao ser clicado fazendo uma “selfie” com a bela primeira-ministra dinamarquesa Helle Thoring-Schmidt e com o primeiro-ministro britânico David Cameron em pleno funeral de Nelson Mandela.
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O que para uns pode ser ostentação, para outros pode ser superexposição. “Hoje em dia, a sociedade se constitui por imagens. O que importa é o parecer, não o ter ou o ser. Todo mundo quer ser alguém, quer ser visto”, conta o professor Torres de Melo.
A visão do docente é corroborada por um dado da pesquisa do IBOPE: 90% dos jovens entram nas redes sociais para ver fotos dos amigos, enquanto 65% publicam fotos tiradas por eles mesmos. Outras ferramentas, como Snapchat e o Instagram, contribuem para isso: as pessoas estão compartilhando fotos sobre tudo.
Para o professor, isso contribui para casos como os de “revenge porn”, em que fotos íntimas são divulgadas sem o consentimento da pessoa. Neste ano, alguns casos tiveram consequências extremas, terminando até em morte das vítimas. “Os jovens ficam entre o comportamento preventivo e a superexposição. É muito tentador. Mas hoje você tem que parecer bonito, parecer sarado, parecer feliz”, explica.
Bia Granja discorda desta visão. “O revenge porn não tem nada a ver com a superexposição. Fazer vídeos e fotos sensuais não é novidade, isso sempre existiu. Não é culpa da internet”, diz. Segundo ela, o jovem ainda está aprendendo a lidar com a rede. “Está acontecendo uma mudança de comportamento nas redes sociais, as pessoas estão aprendendo que a exposição tem um preço, pode trazer coisas ruins e coisas boas”, argumenta.
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A superexposição e os casos de revenge porn podem tomar dois rumos totalmente diferentes: se tornar tão execrados a ponto de não acontecerem mais ou se tornar comuns e cair na banalidade. “Eles [os casos] podem se multiplicar e depois se adaptar, se tornando algo comum, sem constrangimento algum, ou as pessoas podem passar a ter mais cuidado, a ter mais responsabilidade”, prevê o professor Aurélio.
Dinheiro com xampus, produtos para a pele e cosméticos
O jovem não apenas está mais conectado na hora de interagir, mas também quando vai consumir. Segundo o IBOPE, ele é um consumidor digital, global e multicanal. Na prática, isso significa que o jovem usa diversas plataformas de compra (internet, celular e lojas físicas) e não se restringe às compras em lojas nacionais. A pesquisa ainda revelou que 57% dos brasileiros entre 18 e 25 anos têm pelo menos um cartão de crédito e 4% adquiriram um empréstimo no ano passado.
Entre os jovens desta faixa etária, os produtos mais consumidos são de higiene pessoal e cosméticos. A pesquisa ainda apontou que os jovens gostam de mudar de marcas e costumam experimentar produtos novos que chegam às prateleiras. “O jovem gastou muito dinheiro com xampus, produtos para pele e outros cosméticos, e a tendência é de que isso cresça no próximo ano”, acredita Rodrigo Clemente, CEO da Mercado Jovem, agência de publicidade direcionada ao público adolescente com 14 anos de mercado e clientes como Adidas, Coca-Cola, Mentos e Doritos.
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Já entre os consumidores de 12 a 17 anos, as marcas que mais fazem sucesso são as inovadoras e as mais conhecidas. Segundo eles, quase sempre vale a pena pagar mais por produtos de qualidade.
O entretenimento também foi outra área em que o jovem esbanjou. Prova disso é o sucesso de bilheteria de “Homem de Ferro 3” e “Jogos Vorazes: Em Chamas”, que juntos levaram mais de 10 milhões de pessoas aos cinemas no Brasil. Nem serviços como o Netflix ameaçam a soberania do cinema. “O Netflix é legal, mas o cinema nunca vai sair de moda. O jovem não vai abrir mão de sair com os amigos, levar a namorada para ver um filme”, garante Clemente. Para ele, um dos empecilhos para a popularização do serviço de filmes por stream é a mensalidade. “Para ter o Netflix, o jovem depende dos pais. Para ir ao cinema, não, é só pegar o dinheiro e ir”, diz.
Maior objeto de desejo é o iPhone
Celulares, TVs e computadores estão entre os produtos mais desejados pelo jovem. Segundo a pesquisa, 21% das pessoas entre 18 e 25 anos tinham intenção de comprar um celular no último ano, enquanto 15% queriam um computador ou laptop e 13% mostraram intenção de adquirir aparelhos de televisão.
A prova cabal de que o jovem está mais conectado é o grande objeto de desejo dele: o iPhone. “O iPhone ainda é o objeto de desejo do jovem”, afirma o CEO. “Apesar de outros celulares terem funções parecidas, ter um iPhone é um sentimento diferente, é algo como ‘eu tenho um iPhone’”, explica. O consumo de smartphones ainda alavanca um outro mercado, o dos apps. “O jovem gastou muito dinheiro com aplicativos para celular, apesar de usar majoritariamente programas gratuitos”, revela Clemente.
Os hábitos de consumo do jovem se relacionam diretamente com seu perfil em 2013. Ele investiu mais na aparência e na saúde em um ano em que a “selfie” valeu muito mais do que mil palavras e a ostentação esteve em voga. E também usou seu dinheiro para possibilitar se manter sempre conectado, em todos os meios possíveis. Porque não adianta estar bonito se ninguém pode curtir sua foto no Instagram ou no Facebook.
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